sexta-feira, 31 de julho de 2009

no comment

Já faz algum tempo que eu não escrevo neste espaço, a verdade é que cada vez menos me surpreendo com esta parte do Mundo, tudo me parece cada vez mais normal e natural, afinal de contas talvez me esteja, finalmente, a adaptar ou a resignar a este lugar…

No entanto, na semana passada presenciei algo que me marcou profundamente, não porque não soubesse que estas coisas acontecem aqui e, infelizmente, em todo o mundo, mas porque nunca tinha visto in loco algo de tão violento.

Tive algumas dúvidas se deveria, ou não, descrever este momento, decidi fazê-lo apenas porque quase todos nós já presenciamos cenas semelhantes num qualquer telejornal ou filme. Quero antes frisar que, como já disse anteriormente, as coisas que escrevo aqui, além de ser a minha visão pessoal, são apenas os episódios incomuns que fogem à normalidade dos dias de Luanda (entenda-se, normal em Luanda…). Como tal, não é minha intenção que estabeleçam uma ideia deste lugar, apenas através do que leiam aqui. Para de facto conhecerem convém cá vir, e mesmo assim será difícil conhecer verdadeiramente isto, por várias razões, sempre que vejo imagens de Luanda no telejornal, o habitual é aparecer uma panorâmica da zona da Baia, mas Luanda não é apenas o que fica entre o 1º de Maio e a Baia, não é somente a zona da Ilha ou Benfica, é também constituída por muitos bairros degradados e musseques, e quantos “pulas” cá a trabalhar já entraram no coração do Mercado do Roque? Ou no mercado dos Kuanzas? Ou entraram num musseque e viram por dentro as casas (ou cubículos como realmente lhe chamam) onde habita a maior parte da população? EU NÂO!

Na realidade, existem dois mundos bem distintos em Luanda que coabitam lado a lado, e eu, como a generalidade dos que cá trabalham, acabo por conhecer apenas um pouco do outro lado…
Por vezes quando vou de carro, existem sítios que parecem a passagem de um mundo para o outro, é como existisse uma fronteira imaginária, uma espécie de “twilight zone”. Existe uma zona pela qual passamos todos os dias, onde é frequente existir todo o tipo de desordens, já vi guerra de garrafas entre grupos rivais (“staff” como aqui lhe chamam, o staff do teimoso, o staff do Machete, o staff do Big,…), pancadaria entre pessoal “chupado”, pancadaria de trânsito, e por aí adiante…

Mas o episódio que me marcou foi quando na semana passada, no final dessa rua avistamos um ajuntamento de pessoas, seria de certeza mais uns desentendimentos que acontecem com frequência por aquelas bandas. Prosseguimos a nossa marcha até que tivemos que parar porque não conseguíamos passar, devido às pessoas que estavam no meio da estrada, de repente, no meio daquela confusão toda, surge um individuo com uma catana na mão a desferir golpes noutros, e tudo isto se passava mesmo encostado ao nosso carro, e dois policias assistiam aquilo tudo impávidos e serenos, e só quando alguém conseguiu arrancar-lhe a catana é que eles decidiram avançar muito calmamente por entre a multidão para pôr fim à desordem (claro que o pior já se tinha passado). A multidão começou a abrir e nós conseguimos continuar a nossa viagem, não sem antes ver pessoas ensanguentadas e um indivíduo prostrado no chão. No carro discutia-se a actuação da policia (ou a falta dela…), uns diziam «a policia não faz nada…», outros diziam «catana também corta policia…», eu devo ter ficado cinco minutos sem dizer nada, pensando qual seria o motivo daquela violência toda, o que justificaria aquela selvajaria, e se fosse comigo…entretanto, o meu colega disse «essa guerra não é nossa», e seguimos viagem…