terça-feira, 4 de agosto de 2009

O óbito

Estava eu a dormir serenamente quando, cerca das quatro horas da manhã, acordei sobressaltado devido aos gritos de várias pessoas na rua. Levantei-me e fiquei sentado na cama tentando perceber o motivo daquela gritaria toda e o som de pessoas que corriam de um lado para o outro. Várias ideias me ocorreram «mais uma cena de pancadaria», «um incêndio numa casa», «bandidos apanhados a assaltarem alguma casa», «uma cena de violência doméstica», «uma revolta popular…», decidi então deslocar-me, silenciosamente e sem acender a luz, até um sítio onde conseguia ouvir melhor o que as pessoas gritavam, e consegui finalmente perceber aquele frenesim todo se devia ao falecimento de um vizinho, e eram esses vizinhos que ao acordarem com os gritos da família, corriam até essa casa e juntavam-se à gritaria. Claro que até de manhã não consegui dormir mais nada, até porque, sempre que parecia que se estavam a acalmar, eis que chegava mais alguém e recomeçava tudo de novo.

Sempre ouvi falar que os Africanos encaravam a morte de uma forma diferente dos Europeus. Ouvimos histórias que eles se riem e nós choramos, fazem festas, etc. Mas, já percebi que eles também choram os seus entes queridos.
No entanto, algumas destas histórias são de facto verdade, em particular, as histórias das festas. Fazendo fé no que me contaram, existem duas fases num óbito, a primeira fase acaba com o enterro do falecido, e é caracterizada pelo sofrimento de se ter perdido um ente querido, a segunda fase são as festas que se vão dando em honra do falecido, de referir que durante as duas fases a bebida e comida é coisa que nunca falta, principalmente a bebida.

Pelo que percebi, as bebidas e comida são pagas através de contribuições das pessoas que participam no óbito, a contribuição não é fixa nem obrigatória, as pessoas dão o que podem. O nome da pessoa e o valor da contribuição é apontado numa folha e fica exposto para que toda a gente possa ver (imaginem se a moda pega nos casamentos em Portugal… seria interessante… pelo menos para os noivos…). Dependendo da pessoa que faleceu, e a importância desta na comunidade, esta festa pode demorar vários dias, e facilmente percebes que estás perante um óbito, porque reparas num aglomerado de pessoas ao pé de uma casa, e uma fotografia de alguém à porta, quando o falecido é do sexo masculino está vestido com um fato, que muito provavelmente não é dele, isto porque quando tiras cá uma fotografia tens a opção de alugares um fato e uma gravata para tirares a fotografia, portanto é normal que aches que os fatos que vês nas fotografias dos documentos das pessoas sejam todos parecidos.

Claro que passado nos óbitos, é normal veres muita gente “chupada” (palavra que em Angola significa embriagado, bêbado, ou no português calão “emborrachado”, penso que esta palavra surgiu devido ao facto de eles ingerirem álcool através de uns sacos plásticos. Fazem uns orifícios e vão chupando o liquido por aí, e até se vende whisky nessas embalagens plásticas, estas embalagens assemelham-se com aqueles saquinhos de amostras de champô, embora, o conteúdo não sirva para lavar a cabeça).

Durante todo este processo, existem três dias que são mais intensos, é o dia do enterro, o dia da missa de sétimo dia, e por fim o dia de arromba, com muita comida, bebida e festa, que é o dia da missa de trigésimo dia

Portanto, existem algumas diferenças na forma como o Angolano encara a morte, existe a tristeza por perder alguém querido, mas também alegria por essa pessoa ir para um sítio melhor. No entanto, também existe algumas semelhanças, e tal como nós, as pessoas valorizam depois de morrer, e se muito dificilmente alguém contribuía para lhe providenciar medicamentos, depois de morrer toda a gente contribui para lhe fazer uma festa…

sexta-feira, 31 de julho de 2009

no comment

Já faz algum tempo que eu não escrevo neste espaço, a verdade é que cada vez menos me surpreendo com esta parte do Mundo, tudo me parece cada vez mais normal e natural, afinal de contas talvez me esteja, finalmente, a adaptar ou a resignar a este lugar…

No entanto, na semana passada presenciei algo que me marcou profundamente, não porque não soubesse que estas coisas acontecem aqui e, infelizmente, em todo o mundo, mas porque nunca tinha visto in loco algo de tão violento.

Tive algumas dúvidas se deveria, ou não, descrever este momento, decidi fazê-lo apenas porque quase todos nós já presenciamos cenas semelhantes num qualquer telejornal ou filme. Quero antes frisar que, como já disse anteriormente, as coisas que escrevo aqui, além de ser a minha visão pessoal, são apenas os episódios incomuns que fogem à normalidade dos dias de Luanda (entenda-se, normal em Luanda…). Como tal, não é minha intenção que estabeleçam uma ideia deste lugar, apenas através do que leiam aqui. Para de facto conhecerem convém cá vir, e mesmo assim será difícil conhecer verdadeiramente isto, por várias razões, sempre que vejo imagens de Luanda no telejornal, o habitual é aparecer uma panorâmica da zona da Baia, mas Luanda não é apenas o que fica entre o 1º de Maio e a Baia, não é somente a zona da Ilha ou Benfica, é também constituída por muitos bairros degradados e musseques, e quantos “pulas” cá a trabalhar já entraram no coração do Mercado do Roque? Ou no mercado dos Kuanzas? Ou entraram num musseque e viram por dentro as casas (ou cubículos como realmente lhe chamam) onde habita a maior parte da população? EU NÂO!

Na realidade, existem dois mundos bem distintos em Luanda que coabitam lado a lado, e eu, como a generalidade dos que cá trabalham, acabo por conhecer apenas um pouco do outro lado…
Por vezes quando vou de carro, existem sítios que parecem a passagem de um mundo para o outro, é como existisse uma fronteira imaginária, uma espécie de “twilight zone”. Existe uma zona pela qual passamos todos os dias, onde é frequente existir todo o tipo de desordens, já vi guerra de garrafas entre grupos rivais (“staff” como aqui lhe chamam, o staff do teimoso, o staff do Machete, o staff do Big,…), pancadaria entre pessoal “chupado”, pancadaria de trânsito, e por aí adiante…

Mas o episódio que me marcou foi quando na semana passada, no final dessa rua avistamos um ajuntamento de pessoas, seria de certeza mais uns desentendimentos que acontecem com frequência por aquelas bandas. Prosseguimos a nossa marcha até que tivemos que parar porque não conseguíamos passar, devido às pessoas que estavam no meio da estrada, de repente, no meio daquela confusão toda, surge um individuo com uma catana na mão a desferir golpes noutros, e tudo isto se passava mesmo encostado ao nosso carro, e dois policias assistiam aquilo tudo impávidos e serenos, e só quando alguém conseguiu arrancar-lhe a catana é que eles decidiram avançar muito calmamente por entre a multidão para pôr fim à desordem (claro que o pior já se tinha passado). A multidão começou a abrir e nós conseguimos continuar a nossa viagem, não sem antes ver pessoas ensanguentadas e um indivíduo prostrado no chão. No carro discutia-se a actuação da policia (ou a falta dela…), uns diziam «a policia não faz nada…», outros diziam «catana também corta policia…», eu devo ter ficado cinco minutos sem dizer nada, pensando qual seria o motivo daquela violência toda, o que justificaria aquela selvajaria, e se fosse comigo…entretanto, o meu colega disse «essa guerra não é nossa», e seguimos viagem…

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Regresso a Luanda

Já estou de volta a Luanda!

Da primeira vez que vim cá vinha mais entusiasmado, o facto de conhecer outro continente, outra cultura, outro povo era desafiante. Agora é mais do mesmo, não é que eu conheça muito de Angola, longe disso, o problema é que conhecer mais do que eu já conheci não é fácil, devido ao facto de que para saíres da província de Luanda necessites de um carro (e convém que o carro esteja em boas condições), além de que, se tens o azar de teres um percalço pelo caminho não pegas simplesmente no telefone chamas o pronto-socorro.

Quando cá estive os meus colegas disseram-me que na altura de entrar no avião para voltar a Portugal, se olhasse para traz, era sinal que já estava com saudades e nunca mais sairia de Angola, a verdade é que não olhei, porque a vontade de regressar era muita… ou seria porque estava com medo de nunca mais sair daqui… não sei… mas o melhor é não arriscar…

Da última vez apanhei a época das chuvas agora vou apanhar a época do cacimbo, esta é a época seca, e é frequente estar nevoeiro. Portanto, como já não chove pensei que as estradas estariam melhores e que as obras teriam, finalmente, avançado. Puro engano, continua tudo praticamente na mesma, e apenas mudaram os sítios onde estão a trabalhar, por vezes fico com a sensação de que a única coisa que eles fazem é mudar o entulho de um sítio para o outro, como é possível estar uma estrada em obras há meses e não avançar nada? Deixo uma sugestão a quem de direito, arranjem um sítio isolado, façam um buraco e enterrem lá o dinheiro que gastam nestas obras, pelo menos não estão no meio das estradas a complicar ainda mais o trânsito.

Portanto, isto está praticamente na mesma, à primeira vista, o que parece ter mudado é que tiraram umas centenas de candongueiros de circulação, e que a crise também se mudou para cá, A TAAG ainda não pode voar para União Europeia mas já voa para Portugal (hum… estou confuso… se calhar ainda não perceberam se Portugal é união Europeia ou Norte de África), e ainda não existe conhecimento de casos de gripe A em Angola, repito, não existe conhecimento de casos...

segunda-feira, 27 de abril de 2009

"Novo" Código de Estrada

A partir de 1 de Abril de 2009 entrou em vigor o novo código de estrada em Angola. Só mesmo os angolanos para se lembrarem de colocarem em vigor leis, precisamente no dia das mentiras.
Claro que, inicialmente, pensei que ao escolherem este dia para colocarem este código em vigor, seria como passarem uma mensagem subliminar, de que as leis estão aí, mas não são, necessariamente, para se cumprir, isto é, o novo código serviria como uma aproximação às boas práticas do resto do mundo, mas seriam apenas indicativas do caminho a seguir, e esse é um caminho muito longo...

Este código estava condenado à partida, e por diversas razões, começando logo pelo dia em que começou, e depois porque a maioria das estradas existentes não permitem cumprir com a lei, como por exemplo, é proibido pisar linhas continuas! E eu pergunto, que linhas continuas? Só se forem imaginárias, porque eu não as vejo. Acho que primeiro deviam criar estradas com condições e depois sim, colocavam em vigor um novo código de estrada, em qualquer dia excepto no dia 1 de Abril…

Além do colocarem em vigor o novo código de estrada também actualizaram as multas, e são um autêntico escândalo, só como exemplo, a multa para a falta de uma daquelas palas que servem para tapar o sol, ronda os 500 dólares. Sinceramente, nem percebo como é que ainda me surpreendo com este tipo de coisas. Portanto, somando dois mais dois, este código tem um publico alvo especifico, que são aqueles que têm possibilidade de pagar este tipo de multas, especialmente, trabalhadores expatriados.

O resultado da entrada em vigor deste código foi o seguinte; no dia seguinte foi emitido um comunicado a dizer que durante trinta dias não seriam passadas multas, seria um período de adaptação e sensibilização. A maioria dos “kandogueiros” pararam por não possuírem as condições exigidas para transportar pessoas e como uma forma de protesto contra este código, como tal, Luanda parou, as pessoas têm mais dificuldade em arranjar transporte, percorrem longas distâncias a pé, consequentemente, chegam atrasadas ao trabalho e, depois disto tudo, ainda têm dificuldade em voltar para casa, andam muito cansadas, mas sempre sorridentes…

Passou quase um mês desde a entrada em vigor deste código, e a única coisa em que, efectivamente , vi uma evolução foi no uso do cinto de segurança, como tal, deixou de fazer sentido a piada “olha, este meteu o cinto! Deve ter ido à Europa”…

terça-feira, 31 de março de 2009

O “ Ainda” marca o ritmo de Angola

“Ainda” esta é uma palavra que eu acho muita piada e caracteriza um pouco o ritmo “pachorrento” do Angolano. Inicialmente, quando perguntava algo e me respondiam “ainda” eu ficava a pensar “ainda? Mas, ainda o que?”, depois percebi que “ainda” quer dizer “não”, ou melhor, “ainda não”. Mas então porque é que quando eu pergunto “ Já fizeste aquilo?”, não me respondem que “não, ainda não”, pois é, dá muito trabalho. Portanto, Qualquer pergunta começada por “Já…”, a resposta mais provável que recebes é “ainda”.

O trabalho e o Angolano são duas palavras que não combinam. Imaginem um Português e um sueco, agora imaginem um Angolano e um Português, pois é, a proporção de trabalho realizado é mais ou menos essa, e acho que não é necessário identificar quem realiza mais trabalho…

Em Angola, não é que as coisas andem devagar, é mais aos empurrões. Portanto, se queres algo tens de ir empurrando e pode ser que um dia chegues lá. Vou dar um exemplo, chegas a um restaurante e sabendo que a comida vai demorar pedes logo uma cerveja e umas entradas, passado uns minutos vêm perguntar-te que marca de cerveja queres, entretanto voltam para dizer que não têm dessa marca, escolhes outra marca e passado mais uns minutos lá trazem a cerveja, mas não trouxeram o copo, então pedes para te trazer o copo, como passado uns tempos percebes que o copo vai demorar deixas de ser “cocó” e bebes pela garrafa, e eis que quando estás quase a explodir de tanto esperar, chega a tua refeição, vais comendo e conversando e quando acabas o prato… chega um rapaz com o copo e as entradas que pediste ao inicio… tu, já um pouco irritado perguntas “olha, as entradas não deviam ser servidas antes da refeição? e o copo não devia vir ao mesmo tempo que a cerveja?”, ele olha-te com um ar concordante como quem diz “o gajo até tem alguma razão…”, sorri, e segue no seu ritmo “infernal”, e tu, ficas com a “bicicleta”, com um copo de cerveja mas sem cerveja, e com as entradas quando já não tens fome. Este é apenas um dos muitos exemplos que eu podia dar para vos demonstrar a inércia enraizada em Angola.

Portanto, cada vez mais me convenço que a culpa é do calor, e Angola é mais quente que Portugal e logicamente do que a Suécia, logo, nem eles nem nós temos culpa, apenas estamos no sítio errado.

Como tal, só vejo uma solução para esta problemática, que são as alterações climáticas, que podem vir trazer uma nova ordem a este mundo tão desequilibrado….

A filosofia de vida Angolana

O Angolano tem um modo de encarar a vida muito própria, a generalidade, adopta a máxima de viver um dia de cada vez.

Um Angolano se tem dinheiro no bolso que é suficiente para, por exemplo, comprar uma televisão, ele compra-a, não pensando um minuto sequer que vai ficar sem dinheiro para comer o resto do mês, esse problema fica para amanhã. No entanto, em Angola se queres algo tens de o pagar antes, ainda não existe cá pagamentos a 30, 60, ou 90 dias, é costume se dizer que, quem paga adiantado é mal servido, talvez seja, mas isto tem um aspecto muito positivo que é o facto de aqui ainda existir alguma liquidez.

Para um Angolano as coisas más que acontecem, é porque estavam destinadas a acontecer e ele não tem qualquer controlo sobre elas. Existe várias maneiras de ver um problema, por exemplo, quando chove e a água invade as casas, existem aqueles que acham que a casa é inundada porque não têm saneamento que permita o escoamento da água, e como tal, a culpa é dos governantes que ainda não conseguiram solucionar esse problema, para outros este é um problema que acontece quando chove e que não se pode controlar a mãe natureza, e também não chove assim tantas vezes, o Angolano costuma a adoptar esta ultima postura.

A desculpabilização é também aqui uma forma de arte, têm desculpa para tudo, mesmo que essa desculpa não tenha nada a ver com o caso em questão. Se perguntas qual o motivo para ele não ter vindo trabalhar ele responde-te coisas do género “ontem não ouve luz “, “ouve óbito na minha rua”, “tché, muita obra em casa”, “a minha dama desapareceu”, se queres um conselho, não tentes saber o que é que isso tem a ver com o caso, ainda vais ficar mais confuso.
Se existe um acidente, ninguém teve a culpa, ficam no meio da via a discutir até que chegue a polícia, ou pegam logo na chave de rodas e partem para o confronto (muito comum aqui e nada bonito de se ver…). Nós já batemos, mas foi coisa pequena, só um pisca, e sinceramente, fomos os culpados, mas como, em Roma sê romano, então, em Luanda sê “luandano”, e toca de ir lá para fora discutir, felizmente não houve confronto físico, também nem uma chave de rodas tínhamos à mão, inconscientes... Um bom negócio para aqui seria vender um kit composto por uma chave de rodas e um bastão…

Mas o que eles gostam mesmo é de festa, de preferência com música “grande” (alta em português de Angola, provavelmente esta expressão será já considerada no novo acordo ortográfico…), e quando á festa, a música é mesmo “grande”, até os vidros tremem, e sentes a música a bater no teu coração, literalmente!

quarta-feira, 25 de março de 2009

CAN 2010 é em Angola

Angola vai receber o CAN 2010 que é o Campeonato Africano das Nações, é como o Campeonato Europeu de Futebol só que em África. O povo Angolano está ansioso pelo começo deste campeonato, agora, será que estão preparados para o receber? esta é outra história.

Na minha opinião as obras estão muito atrasadas, e duvido seriamente que estejam prontas a tempo. Além dos estádios, e acessos aos mesmos, algo que me deixa intrigado é, onde se vão alojar todas as comitivas e adeptos que se vão deslocar a Angola para participar neste evento, principalmente a Luanda, que é a realidade que eu conheço melhor. Se os poucos hotéis existentes estão quase sempre lotados, e os que se estão a construir duvido que fiquem prontos a tempo, onde é que vão meter essa gente? Sinceramente, não sei! Mas se tivesse que viajar para Angola nesse período se calhar pensava duas vezes.

O CAN 2010 é assunto diário nos serviços noticiosos Angolanos, mas as notícias são sempre as mesmas, uma destas noticias referia que a culpa de as obras estarem atrasadas, é que o material necessário para o desenrolar das mesmas se encontra retido no Porto, e do que eu conheço da “celeridade funcional” deste porto acredito que seja mesmo esse o motivo.

No entanto, o Angolano é um optimista por natureza, e acredito que no final se vão desenrascar. E depois do grande slogan que inventaram para a visita do Papa, e tendo em conta o atraso das obras, eu não resisto em deixar uma hipótese para o slogan do CAN 2010, O que é que acham do
seguinte?

“Yes we CAN”

Então? Que nem uma luva, não é?